Celebrando mais uma vez a Legião Urbana

Por Marcos Pinheiro
Fotos: Paulo Henrique Cruz / Divulgação

Conheço várias pessoas que não gostam da Legião Urbana. Algumas até odeiam. Parece heresia, né? A enorme popularidade da banda brasiliense traz em contrapartida a irritação contra a devoção sem fim em torno de Renato Russo e sua obra. Aos “haters”, eu recomendaria terem ido ao show que rolou sábado passado (23/3) no Ginásio Nelson Nelson. Num país onde a intolerância, a discriminação racial e sexual, a desigualdade, a corrupção, a miséria e a hipocrisia ainda imperam, ouvir aquelas canções, compostas há 30, 40 anos, é catártico. Impossível não cantar junto como forma de exorcizar os demônios que nos rodeiam – sejam políticos, sociais ou simplesmente amorosos/existenciais.

Foi o que fizeram as quase 15 mil pessoas presentes ao ginásio brasiliense durante 2h10 de show, em noite que teve abertura do gaúcho Humberto Gessinger, ex-Engenheiros do Hawaii. Em vários momentos, a presença do bom vocalista André Frateschi – há quase quatro anos ao lado do guitarrista Dado Villa-Lobos e do baterista Marcelo Bonfá no projeto intitulado Legião Urbana XXX Anos – era dispensável: a galera entoava as letras em coro como se não houvesse amanhã. Muitos se abraçavam e/ou pulavam em grandes rodas. Foi bonito.

Já tinha assistido, em maio de 2016, ao show da primeira turnê que comemorou os 30 anos do disco de estreia – leia aqui a resenha. A boa impressão deixada me deixou tranquilo para ir novamente, agora na celebração dos álbuns “Dois” e “Que País é Este?”. Apresentações assim são interessantes, pois o público pode ter a oportunidade de ver/ouvir ao vivo músicas que fatalmente seriam descartadas num repertório mais abrangente. Durante 1h35, a banda – completada por Lucas Vasconcellos (guitarra e violão), Roberto Pollo (teclados e programações) e Mauro Berman (baixo e backing vocals) – tocou as 20 faixas dos citados trabalhos mesclando os discos e sem seguir a ordem, uma estratégia que achei ótima.

Era 0h10 quando o sexteto subiu ao palco tocando “Daniel na Cova dos Leões”, faixa de abertura do álbum “Dois”. O clima seguiu quente com a bucólica “Quase Sem Querer” e mais “Eu Sei”, “Índios”, “Acrilic on Canvas” e “Tédio (com um T bem grande pra você)”. Músicas menos famosas, como “Mais do Mesmo”, “Metrópole”, “Plantas Embaixo do Aquário” e “Depois do Começo”, foram tocadas em sequência. “Conexão Amazônica”, cantada por Dado (de cabelo branco tingido), foi apresentada com arranjos a Joy Division. A banda foi apresentada antes de “Música Urbana 2″. Bonfá assumiu a voz na fofa “Eduardo e Mônica” – cujo filme, dirigido por Renê Sampaio, está sendo rodado para estrear em 2020. O clima “vamos cantar todos juntos” voltou e seguiu na épica “Faroeste Caboclo”, no hino “Que País é Este?” (“É a porra do Brasil!”), nas belíssimas “Angra dos Reis” e “Andrea Doria”, fechando com “Fábrica” (uma de minhas preferidas) e a indefectível “Tempo Perdido”.

Pausa para o segundo ato, que foi bem mais curto (35 minutos) e trouxe cinco músicas de outros quatro álbuns: a lírica “Vento no Litoral” (na voz de Bonfá), “Giz” (cantada por Dado e anunciada como a “preferida de Renato Russo”) e a catarse final com “Há Tempos”, “Será” e “Perfeição” – o “verdadeiro hino brasileiro”, segundo discursou André Frateschi, que antes homenageou Renato pedindo salva de palmas ao “maior vocalista do Brasil” e desfilou com bandeira estampando a foto dos quatro integrantes originais, incluindo o falecido baixista Renato “Negrete” Rocha.

Com os rostos encharcados e a alma lavada, os fãs foram embora com a certeza de que o legado musical da Legião Urbana está preservado. E que a força daquelas canções permanecem fundamentais para a história do rock nacional.

SET LIST
. Daniel na Cova dos Leões
. Quase Sem Querer
. Eu Sei
. “Índios”
. Acrilic on Canvas
. Tédio (com um T bem grande pra você)
. Mais do Mesmo
. Metrópole
. Química
. Plantas Embaixo do Aquário
. Depois do Começo
. Conexão Amazônica
. Música Urbana 2
. Eduardo e Mônica
. Faroeste Caboclo
. Que País é Esse?
. Angra dos Reis
. Andrea Doria
. Fábrica
. Tempo Perdido
Bis
. Vento no Litoral
. Giz
. Há Tempos
. Será
. Perfeição