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A incansável resistência de Roger Waters

Roger Waters - resist

Por Marcos Pinheiro
Fotos: Lyanna Soares
(câmera profissional) e Marcos Pinheiro (celular)

“Resist”. A palavra de ordem estampada várias vezes no mega telão da turnê “Us + Them” – e nas camisetas dos garotos de Brasília que lindamente compuseram o coro da emblemática “Another Brick in the Wall” – não poderia ser mais simbólica. Resistir à ganância financeira das grandes corporações; à demagogia política; às guerras insanas que causam tanta fome e miséria; à truculência das forças de segurança; à intolerância e hipocrisia religiosas; aos preconceitos de raça e sexo e à xenofobia; à devastação do meio ambiente; ao crescimento mundial do fascismo. Qualquer semelhança com o Brasil não é mera coincidência!

Roger Waters cantandoRoger Waters mostrou toda a sua essência no histórico show que realizou no sábado passado (13/10), no Estádio Mané Garrincha, em sua primeira visita a Brasília em 50 anos de carreira. Uma apresentação com quase 2h50 de duração – contando os 20 minutos de intervalo – que emociona pelo maravilhoso aparato tecnológico das incríveis projeções e pelo som em altíssima definição. Música com letras contundentes, cinema e teatro se misturam e impactam. Não é apenas entretenimento: é para fazer pensar. Pode até causar depressão.

O que vimos foi o mais próximo do que pode ser um show do Pink Floyd em pleno 2018. Contestar o engajamento político do cantor e baixista inglês, em plena forma aos 75 anos de idade, é um atestado de total desconhecimento de sua vida e obra. Waters não estava no palco fazendo campanha a favor de ninguém. Apenas dando um tapa na cara da sociedade e expondo os males que vêm devastando o planeta – onde o Brasil se insere, claro! Quem se irritou com sua postura não merecia estar lá na plateia. Ou até precisava estar, pelo menos para aprender boas lições de História e de Humanidade (com “h” maiúsculo). Segundo a organização, os 54.390 ingressos colocados à venda se esgotaram. Mas era perceptível vários espaços vazios nas arquibancadas e cadeiras inferiores. Pode ser que muitos bilhetes tenham “morrido” nas mãos de cambistas. Talvez algumas pessoas tenham mesmo desistido de última hora. Só lamento pelos que não foram.

Roger Waters - guitarra 2Mas quem esteve lá definitivamente não se arrependeu. Não houve vaias (absurdas), como em São Paulo, e os gritos contra (ou a favor) dos dois candidatos que disputam a Presidência foram manifestados de forma pacífica ao longo da noite. O repertório, como já era esperado, girou em torno de quatro álbuns do Pink Floyd – “Dark Side of the Moon” (1973), “Wish You Were Here” (1975), “Animals” (1977) e “The Wall” (1979) – com acréscimo de quatro músicas do mais recente disco solo de Roger Waters, “Is This the Life We Really Want?”, lançado em 2017. Incrível – e lamentável – que canções compostas há mais de 40 anos ainda sejam tão atuais e necessárias. Outra comprovação da genialidade de um artista visionário.

Roger Waters - cantoras 2O show teve início pontualmente às 21h30 ao som da introdutória “Speak to me” emendada com a bela “Breathe”. Na grande e competente banda que acompanha Roger Waters se destacam as cantoras e percussionistas Jess Wolfe e Holly Laessig (foto ao lado) que, vestidas como pin ups espaciais, arrancaram muitos aplausos num dueto vocal que arrepiou em vários momentos, especialmente em “The Great Gig in the Sky”. A ausência (sempre sentida) de David Gilmour foi de certa forma suprida pelos guitarristas Dave Kilminster, Gus Seyffert e Jonathan Wilson (foto acima) – espécie de “versão mais nova” do antigo parceiro de Pink Floyd.

Roger Waters - meninosA trinca de músicas solo, composta por “Déjà Vu”, “The Last Refugee” e “Picture That”, não foi recebida com o mesmo entusiasmo pelos fãs, embora a segunda canção tenha chamado a atenção pela beleza da projeção do balé da refugiada. Em compensação, a sequência seguinte fez a galera cantar em coro, com a sempre linda “Wish you were here” e as partes dois e três de “Another Brick in the Wall” marcadas pela presença de meninos e meninas de Brasília, brancos e negros (foto), escolhidos pela produção do artista. Era o fim do primeiro ato.

Nos 20 minutos do anunciado intervalo as manifestações políticas se acentuaram a partir das projeções. O clamor pela “resistência” atacou diversos líderes de governo e religiosos e até o criador do Facebook, Mark Zuckerberg. Na tela que denuncia o neofascismo mundial apareceram nomes como os dos presidentes Donald Trump (Estados Unidos) e Vladimir Putin (Rússia). E se encerrou com a frase “ponto de vista político censurado” repetindo o que já havia ocorrido no segundo show realizado em São Paulo (10/10), após a polêmica menção ao candidato brasileiro Bolsonaro na primeira apresentação, terça-feira passada.

Roger Waters - porcoO tom político cresceu no início da segunda parte. Músicas como “Dogs” e “Pigs” foram usadas como ataques diretos ao atual ocupante da Casa Branca. Com cara de porco, de bebê chorão, vomitando e com pinto pequeno, Trump foi alvo de total chacota. Algumas frases do presidente estadunidense foram estampadas, enquanto o tradicional e gigantesco porco, lembrança dos antigos shows do Pink Floyd, sobrevoava a plateia com a frase “Stay human” (“Seja humano”). A banda se divertia no palco vestindo máscaras de porco e brindando com champanhe. “Donald Trump é um porco” surgiu no telão para delírio geral.

Roger Waters - nem fodendo“Money” e “Us and Them” foram outros dois pontos altos da noite. Em “Eclipse” veio a esperada projeção do prisma com feixes de luz coloridos reproduzindo, sobre a plateia, a icônica capa de “Dark Side of the Moon”. Visivelmente emocionado, Roger Waters fez longa apresentação da banda de apoio, agradeceu ao público brasiliense pelo carinho e pediu que aquele “amor dos brasileiros” fosse dividido com o mundo. E encerrou o show com duas das mais lindas canções do Pink Floyd: “Mother”, onde o telão exibiu a também polêmica frase “Nem fodendo”, fina ironia com a pergunta “Mother should I trust the government?” contida na letra – mas que pode dar margem à livre interpretação; e a sensacional “Comfortably Numb”. Não poderia ser melhor.

Quem ainda quiser ver Roger Waters pelo Brasil tem mais cinco oportunidades: ele se apresenta nessa quarta-feira (17) na Arena Fonte Nova (Salvador); no próximo domingo (21), no Estádio do Mineirão (Belo Horizonte); dia 24, no Maracanã (Rio de Janeiro); dia 27, no Estádio Couto Pereira (Curitiba); e no dia 30, no Estádio Beira-Rio (Porto Alegre). Não percam um dos espetáculos mais bonitos do mundo. Obrigado, Roger Waters! Foi um privilégio assisti-lo mais uma vez. Volte sempre!

Roger Waters - emocionadoSET LIST
. Intro: Speak to Me
. Breathe
. One of These Days
. Time
. Breathe (Reprise)
. The Great Gig in the Sky
. Welcome to the Machine
. Déjà Vu
. The Last Refugee
. Picture That
. Wish You Were Here
. The Happiest Days of Our Lives
. Another Brick in the Wall Part 2
. Another Brick in the Wall Part 3

Parte 2
. Dogs
. Pigs (Three Different Ones)
. Money
. Us and Them
. Smell the Roses
. Brain Damage
. Eclipse

Bis
. Mother
. Comfortably Numb

3 comentários sobre “A incansável resistência de Roger Waters

  1. Uma noite inesquecível e emocionante!Uma lenda viva do Rock que tive o prazer de prestigiar pela primeira vez ao vivo!

  2. Um grande artista.
    Porém, assim como todo demagogo, vive em uma bolha e não entende a realidade. Se julga acima dos demais, mas não entende que democracia é ter sua opinião questionada.
    O que esse senhor entende de Brasil?
    Se brincar, acha que nossa capital é Buenos Aires.
    Veio aqui, encheu o bolso de dinheiro, pagou de revolucionário e foi embora.
    E nós continuamos colhendo os resultados da corrupção e péssima administração que os amiguinhos dele fizeram o favor de piorar – o que já não estava muito bom.
    Enfim, o rock nunca esteve tão irrelevante.
    Justamente porque uma boa parte colocou a ideologia acima das bandeiras levantadas pelos grandes artistas do passado.
    Cara, saia à rua, viva a vida real.
    As pessoas de verdade não aguentam mais tanta hipocrisia e corrupção.

  3. Obrigado! O saúdo pela beleza “técnica’ do texto, verbal e visual.

    Gratidão por oportizar que nos expressemos em espaço coletivo!
    Mateus.

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