Blog voltar
|

U2 no Brasil: entre o amor e a intolerância

U2 árvore

Por Marcos Pinheiro
Fotos: G1 e Uol

São Paulo - O U2 é a banda que as pessoas mais “amam odiar”. Escrevi isso nas redes sociais na sexta-feira passada e as reações foram variadas. Alguns acusaram o “golpe”, outros defenderam a banda de forma veemente. Teve até amigo que admitiu não gostar, mas que curtiu muito os caras da última vez que vieram ao Brasil, em abril de 2011. O fato é que o quarteto irlandês encerra hoje (25/10), no estádio do Morumbi, em São Paulo, a série de quatro apresentações nacionais da turnê que comemora os 30 anos do álbum “The Joshua Tree”. E não tenho outras palavras para descrever: o show é absolutamente emocionante, de arrepiar!

U2 na filaO “bom mocismo” do vocalista Bono Vox é encarado de forma preconceituosa por parte da mídia e do público. Um cara rico, vestido com blazers estilosos, cabelo gomalina e com vários sucessos nas paradas mundiais não tem o direito de falar sobre injustiças sociais, conflitos religiosos, políticas bélicas, questões indigenistas, a miséria e as mazelas do Terceiro Mundo – assuntos que, por sinal, são tratados pelo U2 desde sempre. Isso é discurso para periferia ou do underground. Alertar o público sobre tais problemas – são quase 70 mil pessoas em cada show no Brasil – é “messianismo”. Reunir-se regularmente com chefes de governo ou líderes religiosos para buscar soluções é se “auto promover”. Ir para a fila dos fãs na porta do estádio para dar autógrafos e tirar fotos é “demagogia”. Em resumo: Bono é um “chato” para os “haters” de plantão. É a intolerância contra quem combate a intolerância. E assim caminha a humanidade…

Para essas pessoas, ao que parece, a postura “salvador do mundo” do cantor obscurece a qualidade musical. O U2 tem hits descartáveis? Claro que sim! Difícil uma banda desse porte não ter. Mas resumir a carreira deles a músicas como “Beautiful day”, “Elevation” ou “Vertigo”, entre outros sucessos mais recentes (e de pouco brilho), é falta de pesquisa, de conhecimento sobre a obra. Mal comparando, é tratar os Beatles como se fossem apenas da fase “Help”, “She loves you” ou “I want to hold your hand” – canções divertidas, gostosas de ouvir, mas que estão longe de ser a real essência e legado do quarteto de Liverpool. E cá pra nós: The Edge é um guitarrista de estilo único, comparável aos grandes do instrumento de todos os tempos.

U2 banda todaA atual turnê revela o verdadeiro U2 para quem ainda não o descobriu: uma banda que não se limitou à fórmula única, que se metamorfoseou com o passar dos anos. “The Joshua Tree”, lançado em maio de 1987, é um mergulho dos irlandeses na música norte-americana de raiz, do blues, country, folk e gospel. Bono, The Edge, Adam Clayton (baixo) e Larry Mullen Jr. (bateria) souberam resgatar esse universo de forma respeitosa, com melodia, intensidade e sentimento. Ouvir/ver (pela primeira vez no Brasil) músicas como “Running to stand still”, “Red hill mining town”, “In God´s country”, “Trip through your wires”, “One tree hill”, “Exit” e “Mothers of the disappeared” executadas de forma perfeita – e com imagens estonteantes no gigantesco telão – são uma experiência inesquecível!

U2 where the streetsO início já é avassalador com velhos “cavalos de batalha” – e essa expressão se aplica adequadamente ao U2 -, tais como “Sunday bloody sunday”, “New year´s day”, “Bad” (onde Bono errou a letra e homenageou artistas brasileiros como Renato Russo, Cazuza e Tom Jobim) e “Pride”, apresentados de forma simples, sem projeções e com a banda tocando numa plataforma que avançava do palco. A árvore de Joshua, então, se ilumina de vermelho sangue e o que já era emocionante se torna apoteótico: o telão se abre numa viagem on the road pelo deserto californiano ao som de “Where the streets have no name” emendada com “I still haven´t found what I´m looking for”, “With or without you” e a pesada “Bullet the blue sky”. De tirar o fôlego!

Encerrado o set do disco homenageado, o U2 sai do palco por breves minutos e volta desfilando alguns sucessos pós-Joshua Tree com direito à música nova: “You´re the best thing about me”, do álbum “Songs of experience”, a ser lançado em dezembro. A se lamentar a curta duração do show, de quase 2h – cabia mais meia hora facilmente! E a preguiça da banda em não variar o repertório: os dois primeiros shows, na quinta-feira e sábado (19 e 21/10), foram absolutamente iguais. No domingo (22) eles felizmente incluíram “Mysterious Ways”, faixa do ótimo “Achtung Baby”, lançado em 1991 – que merecia turnê de 30 anos em 2021, hein? Fica a dica…

U2 censuraA apresentação acaba com outras duas músicas do mesmo álbum: “Ultraviolet”, dedicada à causa feminista (com imagens de mulheres proeminentes de todo o mundo projetadas no telão), e a emblemática balada “One”. Com direito a citações diversas, de Beatles, Rolling Stones, David Bowie e dos brasileiros Tom Jobim e Jorge Ben. Larry, a certa altura, estampou nas costas de sua camiseta a frase “censura nunca mais”, escrita em bom português, e projetada no telão como um soco na cara dos conservadores. Bono conclamou que o Brasil não pode “retroceder” e que nosso povo, tão “maravilhoso e único”, não merece a classe política que tem. Sua voz, criticada nos últimos tempos, soou cristalina no show de quinta-feira e mais contida no sábado. Enfim, já deu saudades!

NOEL GALLAGHER
Ser banda de abertura do U2 é tarefa das mais complicadas. Aqui no Brasil já tivemos o Franz Ferdinand (em 2006) e o Muse (2011). Chega a ser irônico ver Noel Gallagher, ex-guitarrista e compositor de uma banda gigante (pelo menos lá fora) como o Oasis, cumprir essa missão na atual turnê. Um cara que está acostumado a grandes palcos e audiências tocar num espaço reduzido para uma plateia que nitidamente não estava lá para assisti-lo.

NoelSeu novo projeto, High Flying Birds, lançará no fim de novembro o terceiro álbum, “Who built the moon?”, que traz como “novidade” Gem Archer, ex-guitarrista do próprio Oasis e do Beady Eye, grupo que o irmão de Noel (e desafeto), Liam Gallagher, formou – e já desmanchou! O set, com 11 músicas e quase 55 minutos de duração, traz seis dessa nova fase, com destaques para “In the Heat of the Moment” e a novíssima “Holy Mountain”.

Mas não dá pra negar – e nem é de se surpreender: foram os sucessos da ex-banda que chamaram a atenção! Uma comoção (quase) comparável à promovida pelo U2 logo depois – especialmente na tríade “Champagne Supernova”, “Wonderwall” e “Don’t Look Back in Anger”, com milhares de celulares filmando, fotografando e iluminando o Morumbi. Curioso é que rolaram outras duas do Oasis, quase despercebidas: “Half the World Away” (confesso que eu mesmo não lembrei dessa) e “Little by Little”. Para encerrar, “AKA… What a Life!”, do primeiro disco (de 2011), dedicada ao atacante brasileiro Gabriel Jesus, ex-Palmeiras, hoje ídolo do Manchester City, time de coração dos Gallagher. Foi bonito de ver!

SET LISTS

U2
. Sunday Bloody Sunday
. New Year’s Day
. Bad
. Pride (In the Name of Love)
. The Joshua Tree
. Where the Streets Have No Name
. I Still Haven’t Found What I’m Looking For
. With or Without You
. Bullet the Blue Sky
. Running to Stand Still
. Red Hill Mining Town
. In God’s Country
. Trip Through Your Wires
. One Tree Hill
. Exit
. Mothers of the Disappeared

Bis
. Beautiful Day
. Elevation
. Vertigo

Bis 2*
. You’re the Best Thing About Me
. Ultraviolet (Light My Way)
. One

(*) Mysterious Ways foi adicionada no início do segundo bis no domingo (22/10)

 
NOEL GALLAGHER´S HIGH FLYING BIRDS
. Everybody’s on the Run
. Lock All the Doors
. In the Heat of the Moment
. Riverman
. Champagne Supernova
(Oasis)
. Holy Mountain
. Half the World Away
(Oasis)
. Little by Little (Oasis)
. Wonderwall (Oasis)
. Don’t Look Back in Anger (Oasis)
. AKA… What a Life!

Um comentário sobre “U2 no Brasil: entre o amor e a intolerância

Deixe uma resposta

O seu endereço de email não será publicado Campos obrigatórios são marcados *

Você pode usar estas tags e atributos de HTML: <a href="" title=""> <abbr title=""> <acronym title=""> <b> <blockquote cite=""> <cite> <code> <del datetime=""> <em> <i> <q cite=""> <strike> <strong>