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“You don’t want my trousers to fall down, do you?”

Hunter S. Thompson contava ter escrito Medo e delírio em Las Vegas, de uma enfiada só, ouvindo o Get yer ya-ya’s out! dos Stones

“Durante todo o processo eu só toquei um álbum. Acabei com quatro fitas inteiras.”

Faz sentido. O livro do Dr. Gonzo é um réquiem para os anos sessenta. E, assim como os discos dos Rolling Stones daquele período, o clima é sombrio e a paranoia está no ar.

Get yer ya-ya’s out! foi gravado no Madison Square Garden, Nova York, novembro de 1969. O livro de Thompson sairia em 1971. Àquela altura do campeonato, o sonho, te diria John Lennon, estava indo pro vinagre.

John Kennedy e Martin Luther King estavam mortos. Brian Jones também. Jim, Jimi & Janis não durariam muito mais. No Vietnã, os mortos eram contados às centenas – e as bombas de napalm que explodiam sobre seus casebres ecoavam todas as noites nos telejornais americanos.

O verão do amor dava lugar ao inverno do descontentamento. Hunter S. Thompson deitava por extenso a rebordosa do desbunde lisérgico. E os Stones lhe forneciam a trilha sonora. Em Midninght rambler, Mick Jagger cantava sobre um degolador à solta por Boston. Em Sympathy for the Devil, ele ia direto ao ponto e encarnava o próprio cramulhão. “Hope you guess my name.”

Essas duas canções, assim nessa ordem, uma atrás da outra, formam o miolo de Get yer ya-ya’s out! e de certa forma emprestam seu clima para todo disquinho.

Get yer ya-ya’s out! foi relançado em CD há alguns anos, todo cheio de frescuragens, com o som remasterizado a partir dos originais mais bem preservados e blablablá. Bobagem. Esse papo de “alta fidelidade” é muito bom para os Beatles e para a Sinfônica de Berlim. Com os Stones, a parada é outra. Principalmente os Stones dessa época – entre Beggar’s banquet (1968) e Exile on Main St. (1972).

A sujeira & a precariedade fazem parte do conceito desses discos, oras. Me lembro que, quando ouvi o Exile pela primeira vez, achei tudo muito embolado & tosco. Custei para entender que era pra ser assim mesmo. Get yer ya-ya’s out! é para ser ouvido, preferencialmente, num vinil bem malhado. Como eu só tenho em CD, aqui em casa costumo ouvi-lo no toshibão fubanga – que é para dar uma compensada.

Não curto muito discos ao vivo, não. Têm palmas demais entre as músicas. E alguns desses discos são depois remendados em estúdio na cara-dura. O repertório quase sempre fica na carne de vaca. E depois da praga dos CDs duplos, muitas vezes essas p*rras duram quase duas horas. Chato demais.

Ah… Mas este Get yer ya-ya’s out!, não.

Neste até as intervenções da plateia nova-iorquina são puro charme. Tipo a menina pedindo “Paint it black, you devil, Paint it black” ou os gritos demoníacos que algum celerado solta nos breques de Midnight rambler. E tem o Mick Jagger dizendo que suas calças estão quase caindo…

Tem o solo possesso de Keith Richards em Sympathy for the Devil. Era a preferida de Hunter Thompson. Keith realmente está sensacional em Sympathy, mas perceba o Charlie Watts dando um gás para acompanhá-lo na bateria – e nunca fica pra trás.

São apenas dez faixas. E todas são perfeitas e redondas. Quer dizer, todas são imperfeitas e tortas, se tu me entendes. Tem Stray cat blues. Tem a melhor versão de Honky tonk woman em todos os tempos. O troço já abre com Jumpin’ jack flash – e fecha com Street fighting man – uou. Lá no meio ainda tem Live with me, duas do Chuck Berry (Carol e Little queenie) e uma do Robert Johnson (ah, Love in Vain).

Depois que li essa estória do Hunter S. Thompson, não consigo mais pensar numa cousa sem lembrar da outra: não consigo mais ler Medo e delírio sem os Stones no ouvido. E sempre que volto a ouvir este disquinho, minha cabeza começa a quicar. Como se eu fosse um Jack Kerouac a pular no trem, pura doideyra.

Bueno. Agora, se tu me permites, vou ali encher minha banheira, calibrar um jack + coke e brincar de Hunter S. enquanto Get yer ya-ya’s out! roda no toshibão gonzo. Licença…

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