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Carta a Marcos Pinheiro e Carlos Marcelo

Em 1991, ainda adolescente, eu lia e ouvia qualquer revista/livro/LP/CD que conseguia pôr as mãos. Tinha também as fitas gravadas por um amigo um pouco mais velho (que, por sua vez, copiava os CDs do Giulliano, da Flower’s Land, que virou Low Dream). Por conta de um professor gente boa e notas altas, imaginava meu futuro como engenheiro químico. Então, ouvi o Cult 22 e o Idéia Nova (que ainda tinha acento, como lembrou o Eduardo da Rocha) no velho som Gradiente da sala. Depois, no carro, voltando do Lago Norte com meus pais. E, caramba, aqueles apresentadores me apresentaram Nirvana, Smashing Pumpkins e Ride.

Não seria um exagero dizer que os dois programas mudaram minha vida a partir dali. Moleque imagina tudo: “ó, esses caras ouvem música e fazem disso um trabalho”. Adeus planos para estudar longe de Brasília e passar a vida em laboratórios. Adeus jalecos. A essa altura, também, as notas em química já não eram as melhores do boletim. Isótopos têm a mesma massa atômica? Ou são os isóbaros? Sei lá! O negócio agora é geometria, réguas, esquadros, lapiseira 0.7 e nanquim.

<salto temporal>

Já no fim da década de 1990, comecei um estágio no Correio Braziliense (mais precisamente, na equipe que começou a criar o embrião do CorreioWeb). E, lá do outro lado da redação, trabalhavam aqueles dois caras que falavam sobre música na Rádio Cultura, cujas vozes estavam gravadas em várias fitinhas cassete na estante do meu quarto. Gravava, ouvia uma vez, anotava as bandas e músicas – e voltava a gravar por cima.

Não sei exatamente como, pois nunca fui muito expansivo, um deles soube que eu era fã do Cult. Mandou uma mensagem para mim pelo sistema interno de comunicação do jornal, algo como “quer me ajudar a reativar o Idéia Nova”. Li aquilo umas 20 vezes.

</salto temporal>

O grêmio estudantil da minha escola resolveu criar um jornal. Se tivesse as manhas de desenhar, ia fazer uma história em quadrinhos. Não é meu forte – melhor desistir de ser arquiteto. Ah, já sei, vou mandar um texto sobre uma banda. Os Pixies acabaram há pouco. “Ninguém conhece Pixies no Sigma, cara. O pessoal lê na sua camisa e pensa que você é do signo de Peixes”.

Melhor assim. Se pelo menos uma pessoa resolver ler, pode se interessar por uma banda de rock por minha causa. Bati à máquina e entreguei.

Um monte de gente leu e me falou que gostou. O jornal de oito páginas saiu com uns 389 erros, mas o professor de Gramática não encontrou nada errado no meu texto. É isso, vou me inscrever para Jornalismo – e, quem sabe, vou viver de ouvir discos e escolher músicas para tocar na rádio, que nem aqueles dois. Melhor ainda: vou viver de ouvir discos e escolher músicas para tocar na rádio, mas lá em Londres.

<salto temporal>

“Como é? Vai ter Idéia Nova de novo na Rádio Cultura? Topo, claro”.

E, assim, passei a ajudar o Carlos Marcelo na produção do programa que me fez conhecer Stereolab, Blur, Elastica, Pulp, Radiohead, Beck (Beck não. Já conhecia antes). Em era pré-google, ele encontrou um especialista em descobrir informações sobre todas as bandas em uma rede que ainda engatinhava. Alguém aí lembra do Altavista?

Dois ou três anos depois, a Rádio Cultura virou popular. Li a notícia lá da Europa. Ao pisar em Brasília depois de mais de um ano,  liguei o rádio do carro dos meus pais ainda no estacionamento do aeroporto. 100,9 MHz, Bonde do Tigrão.

Para unir forças pela qualidade sonora e não deixar a peteca cair, o outro cara daquele programa de 1991 me convidou para apresentar um quadro fixo. Se no convite para o Idéia Nova me senti fazendo um gol com a camisa do Vasco, agora estava sendo convocado para a seleção. Dois anos depois, o treinador Marcos Pinheiro me deu a faixa de capitão da amarelinha (que havia sido do cara que escalou para fazer o gol pelo cruzmaltino). Passei a figurar ao lado dele como “produtor e apresentador” do Cult 22.

</salto temporal> 
<hoje>

Marquinhos e Carlos, muito obrigado. Por confiarem em um menino em 1998/99/2000. Por terem aberto a facão a trilha do caminho musical que segui. Por serem meus amigos e mentores.

Falei lá na emocionante cerimônia na Câmara Legislativa e repito: fazer parte dos 20 anos história desse programa aqui é um dos grandes orgulhos da minha vida.

Assinado: Abelaaaaaaardo Mendes Jr (como diz o Marcos)
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3 comentários sobre “Carta a Marcos Pinheiro e Carlos Marcelo

  1. Abelardo, nós que tivemos a sorte de conquistar um amigo e companheiro como você para o Cult 22 e para as nossas vidas. Um cara íntegro, inteligente, generoso, que vestiu a nossa camisa com a mesma paixão. De uma cabeça brilhante, que teve a sensibilidade e a visão de renovar várias coisas dentro do programa e dar visibilidade mundial para ele pela Internet.

    Como disse na solenidade da Câmara Legislativa, você salvou o Cult 22 de morrer naqueles tempos difíceis em que a Rádio Cultura se entregou ao apelo da música popular de mau gosto. Nos entrincheiramos naquele bunker da sexta-feira, às 22h, reforçados pelo Djalma Phú, pelo Fernando Rosa (na época) e pouco depois pelo Welbert Rabelo. E mostramos nossas armas e força para reagir.

    Você deu um upgrade total em nosso site a partir de 2002 e o transformou com brilhantismo neste blog que escrevemos desde o fim de 2008. Não sei, sinceramente, se teríamos resistido se não fosse este excelente “trabalho virtual”, que fortaleceu a marca Cult 22 de forma incalculável.

    Logo, nós é que temos a agradecer por todo seu esforço e paciência durante estes 11, 12 anos que estamos trabalhando juntos. E merecemos comemorar muito os 20 anos do Cult 22.

    Muito obrigado de coração a meu amigo e meu irmão Abelaaardo, o Mendes Jr.!

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