Por Marcos Pinheiro
Fotos (oficiais): Lucas Alvarenga
Vídeos (por Eliane de Castro): YouTube
É impossível sair de um show de Roger Waters sem ficar, no mínimo, impactado(a). Durante 2h40, o cantor e baixista inglês, ex-líder do Pink Floyd, “torpedeia” a audiência com uma torrente tão intensa de informações que deixam a gente sem respiração. A ganância financeira das grandes corporações; a demagogia política; as guerras insanas que causam tanta fome e miséria; a truculência das forças de segurança; a intolerância e hipocrisia religiosas; os preconceitos de raça e sexo; a xenofobia; a devastação do meio ambiente e dos povos índigenas; o crescimento mundial do fascismo… Todos esses temas são tratados como uma metralhadora giratória disparada para um público estupefato. São um convite, em telões de altíssima definição, a refletir como a humanidade (com “h” minúsculo mesmo) tem destruído o nosso planeta de forma avassaladora. Não é apenas entretenimento. E pode até causar depressão.
O pontapé inicial pelo Brasil, da turnê “This is Not a Drill”, que vem sendo anunciada como a última de Roger Waters, aos 80 anos de idade, foi dado na noite da última terça-feira (24/10), no Estádio Mané Garrincha – a Arena BRB -, em Brasília. As vendas antecipadas de ingressos sugeriam que a casa não estaria tão cheia. Mas algumas estratégias da produção parecem ter melhorado essa impressão. A arquibancada foi fechada e o público daquele setor se concentrou nas cadeiras inferiores. A pista e a área Premium ficaram lotadas. Creio que mais de 30 mil pessoas estiveram presentes, números não oficiais.
O tom historicamente contestador de Roger Waters – e inacreditavelmente criticado por parte do público brasileiro na turnê anterior (que também passou por Brasília) entre os dois turnos das eleições presidenciais de 2018 – foi ironizado logo na abertura em mensagem nos telões: “Se você é daqueles que ama o Pink Floyd, mas não suporta a política do Roger, pode muito bem se retirar para o bar agora. Obrigado”. Recado dado – e bastante aplaudido pela plateia. Se a “carapuça” serviu para alguém, foi melhor mesmo ficar calado.
Às 21h20 – com 20 minutos de atraso previamente comunicados -, o show teve início com a maravilhosa “Comfortably Numb”. Waters surgiu vestindo uma capa branca de chuva e a (super) banda que o acompanha tocou encoberta pelas projeções. Com tom de voz mais comedido, achei a interpretação meio decepcionante. Mas logo a apresentação ganharia volume com a dobradinha “Another Brick in the Wall”, partes 2 e 3. As críticas contundentes à política bélica dos Estados Unidos foram disparadas sem poupar ninguém, começando com Ronald Reagan, passando pelos Bush (pai e filho) e, claro, por Donald Trump – mas atacando também os democratas Bill Clinton, Barack Obama e o atual Joe Biden.
O set list, como já era esperado – e antecipado pelo Cult 22 -, girou em torno de quatro álbuns do Pink Floyd: “Dark Side of the Moon” (1973), “Wish You Were Here” (1975), “Animals” (1977) e “The Wall” (1979) – confira a lista no final desse post – e mais alguns momentos da carreira solo. A tal novidade, “The Bar”, se tornou destaque: Roger Waters fez longo discurso nas duas partes da música. Na segunda, com direito a uma dedicatória emocionada a Bob Dylan (de quem ele disse ter “roubado alguns versos”), à atual mulher, Kamilah Chavis, e ao irmão mais velho, John – além de um brinde ao público com toda a banda reunida no palco com um copo de tequila.
O velho amigo Syd Barrett foi lindamente homenageado com as não menos belas “Wish You Were Here” e “Shine On You Crazy Diamond”, onde imagens do parceiro dos primórdios de Pink Floyd ganhou brilho ao lado dos também antigos companheiros Richard Wright e Nick Mason. Detalhe: David Gilmour foi completamente ignorado nas projeções, provando que as tretas e rusgas entre ele e Roger Waters ainda não são “coisas do passado”.
Ao vivo, os guitarristas Jonathan Wilson e Dave Kilminster, já veteranos integrantes da banda de apoio, tentam fazer o papel de Gilmour – e mandam bem, assim como o baixista Gus Seyffert, o saxofonista Seamus Blake, as cantoras Shanay Johnson e Amanda Belair, o tecladista Robert Walter e o “rodado” baterista Joey Waronker (com passagens por R.E.M., Beck, Paul McCartney, Elliott Smith e vários outros).
“Sheep” encerrou a primeira parte do show com uma gigante ovelha inflável flutuando pela plateia e a palavra “Resist” voltando a ganhar evidência, como na turnê anterior. Seguiram-se 20 minutos de intervalo encerrado com um muro sendo erguido, tijolo a tijolo, nas animações. E foram justamente dois momentos emblemáticos do álbum “The Wall” que deram a partida para o segundo ato: “In the Flesh?” – onde Roger Waters reaparece numa cadeira de rodas e usando camisa de força (reproduzindo o personagem Pink da homônima ópera-rock) com o já tradicional porco inflável sobrevoando o estádio representando o capitalismo e o fascismo – e a contagiante “Run Like Hell”, que convoca os “paranoicos” a cantar.
Pouco depois, o clássico “The Dark Side of the Moon” – completando 50 anos em 2023 – virou o tema central com a sequência “Money”, “Us and Them”, “Any Colour You Like”, “Brain Damage” e “Eclipse” (e a esperada projeção do prisma com feixes de luz coloridos reproduzindo a icônica capa do álbum).
A bonita “Two Suns in the Sunset” foi resgatada do (fraco) “The Final Cut” (1983), o último disco de Roger Waters com o Pink Floyd, introduzida por um longo discurso de condenação aos conflitos nucleares e à atual guerra entre Rússia e Ucrânia. E o show se encerrou com a já citada segunda parte de “The Bar” emendada com “Outside the Wall”, tocadas ao piano, finalizando com a banda desfilando pelo palco com os nomes dos integrantes “legendados” nos telões.
Confesso que achei o repertório dessa vez inferior ao da turnê anterior. Faltaram músicas como “Time”, “Mother”, “One of These Days”, “The Great Gig in the Sky”… De qualquer forma, foi um privilégio mais uma vez assistir a esse ícone. Muito obrigado por toda a contribuição à história do rock. Se essa foi mesmo a última vez, que tenha o merecido descanso.
Quem ainda quiser ver Roger Waters pelo Brasil tem mais seis oportunidades: ele se apresenta neste sábado (28/10) no Estádio Nilton Santos (Rio de Janeiro); próxima quarta-feira (1/11) na Arena do Grêmio (Porto Alegre); dia 4 na Arena da Baixada (Curitiba); dia 8 no Estádio Mineirão (Belo Horizonte); e dias 11 e 12 no Allianz Parque (São Paulo). Não percam um dos espetáculos mais bonitos do mundo!
SET LIST
Parte 1
. Comfortably Numb
. The Happiest Days of Our Lives
. Another Brick in the Wall, Part 2
. Another Brick in the Wall, Part 3
. The Powers That Be
. The Bravery of Being Out of Range
. The Bar
. Have a Cigar
. Wish You Were Here
. Shine On You Crazy Diamond (Parts VI-IX)
. Sheep
Parte 2
. In the Flesh?
. Run Like Hell
. Déjà Vu
. Is This the Life We Really Want?
. Money
. Us and Them
. Any Colour You Like
. Brain Damage
. Eclipse
. Two Suns in the Sunset
. The Bar (Reprise)
. Outside the Wall