
Por Lelo Nirvana
Fotos: Erika Meier
Vídeos/Redes Sociais: Eliane de Castro (instagram.com/cult22)
Quando três guardiões do metal de diferentes países (Suécia, Inglaterra e Alemanha) formados por senhores, em sua maioria entre 60 e 76 anos, se unem para perfilar clássicos do rock por quase sete horas, o resultado não poderia ser diferente do esperado. Assim, o Arena of Rock realizou com maestria sua missão de estremecer os traços do arquiteto sem destruir um prédio público sequer. Uma noite democrática na última quarta-feira (16/4), em Brasília, juntando quase três gerações.
Um festival com tantas horas de duração parecia ser uma jornada exaustiva para um velho roqueiro. Mas a produção cumpriu rigorosamente os horários e, sem atrasos, deixou o evento mais leve, apesar do peso dos amplificadores. Em ponto, o Kisser Clan entrou no palco da Arena BRB Mané Garrincha às 18 horas. Do lado de fora, eu ainda estava no credenciamento de imprensa e consegui ouvir os primeiros riffs de pai e filho juntos. Os guitarristas Andreas Kisser e Yohan Kisser revisitaram grandes clássicos do heavy metal para uma plateia ainda pequena, que começava a entrar no estádio. O integrante do Sepultura foi bastante simpático, conversando bastante com os fãs em uma verdadeira celebração corporativista de uma sociedade inoxidável.
Não demorou muito para os suecos do Europe entrarem no palco. A formação trouxe membros de importantes fases da banda. Além do vocalista Joey Tempest estavam o baixista John Léven (o único que gravou todos os álbuns ao lado de Joey Tempest), John Norum (guitarra) – também da formação original -, Mic Michaeli (teclados) e Ian Haugland (bateria) – os dois últimos entraram em 1984. O público recebeu o quinteto de forma calorosa para uma hora de muita técnica musical e hinos atemporais.
A abertura com “Rock The Night” já me deixou bastante emocionado, revivi a histórica MTV dos anos 1980 que trazia o auge do “hair metal” em sua programação. Um set poderoso em uma performance com muita jovialidade. Entre tantos pontos altos, a radiofônica “Carrie” fez o público cantar e me lembrou os velhos tempos das rádios 93 FM e 105 FM quando, por diversas vezes, fiz a icônica tradução desse mega sucesso. Mais tarde, as clássicas “Cherokee” e “The Final Countdown” fecharam a noite, com direito a bandeira verde e amarela de todos os brasileiros, que foi arremessada por alguém do público e reverenciada nos ombros de Joey Tempest.
Europe (Set List)
. Intro
. Rock the Night
. Walk The Earth
. Scream of Anger
. Sign of the Times
. Hold Your Head Up
. Carrie
. Stormwind
. Ready or Not
. Superstitious
. Cherokee
. The Final Countdown
Essa foi a segunda vez que o Judas Priest esteve em Brasília – a anterior foi em 2011 ao lado do Whitesnake, há incríveis 14 anos! Na ocasião, o vocalista Rob Halford perdeu o equilíbrio em sua Harley-Davidson no final do show, o que rende até hoje boas visualizações na internet. A formação atual conta, além do “Metal God” Halford, com Richie Faulkner e Andy Sneap (guitarras), Ian Hill (baixo) e Scott Travis (bateria). Infelizmente, o guitarrista original Glenn Tipton, debilitado pelo Mal de Parkinson, continua gravando esporadicamente em estúdio, mas tudo indica que não vai mais fazer suas aparições meteóricas no palco.
O show teve um set list de grandes momentos, com apenas duas músicas do mais recente álbum, de 2024: a homônima “Invincible Shield” e a abertura com “Panic Attack”, que nem são as minhas preferidas desse petardo, mas funcionaram bem dentro do repertório apresentado pelo grupo com mais de 50 anos de história. Pensei que Rob Halford diria algumas palavras em homenagem ao ex-baterista Les Binkes, que fez parte da banda nos anos 1970 e faleceu na terça-feira, véspera do show – mas isso não aconteceu.
Halford conversou muito pouco com o público e se colocou diversas vezes frente a frente da plateia. Mesmo em silêncio gerou reações de empatia e entusiasmo. A audiência parecia estar hipnotizada pelo tradicional visual de “easy rider”, pela magnífica voz com muita potência e pelos diversos sobretudos que ele desfilou durante 1h45 de apresentação. Ouvir clássicos como “Breaking the Law”, “You’ve Got Another Thing Comin’”, “Victim Of Changes” e “Electric Eye” são sempre revigorantes. Mas músicas como “Devil’s Child”, “Love Bites” e “Turbo Lover” me fizeram voltar no tempo quando ouvia meus discos de vinil do Judas Priest em meu velho toca-discos. É fantástico como conseguem te levar de volta ao portal mágico de sua juventude.
Dessa vez, a triunfal entrada pilotando a Harley-Davidson em “Hell Bent For Leather” foi feita com muita habilidade e incendiou o público nos primeiros roncos dos motores. O Judas Priest encerrou em clima de festa com a radiante “Living After Midnight”. Nesse momento o público dentro do estádio já era bem maior e esperava pela “ferroada” da atração principal.
Judas Priest (Set List)
. Panic Attack
. You’ve Got Another Thing Comin’
. Rapid Fire
. Breaking The Law
. Riding On The Wind
. Love Bites
. Devil’s Child
. Saints In Hell
. Crown Of Horns
. Sinner
. Turbo Lover
. Invincible Shield
. Victim of Changes
. The Green Manalishi (With the Two Prong Crown)
. Painkiller
Encore
. The Hellion/Electric Eye
. Hell Bent For Leather
. Living After Midnight
Para consagrar uma noite impecável, o que falar de uma banda que está em atividade há pelo menos 60 anos? Poderia parar por aqui meus comentários, pois o Scorpions sempre é sinônimo de espetáculo à parte. Mas depois de ver por duas vezes esses alemães no “Rock In Rio”, em 1985, e ter a oportunidade de reverenciá-los 40 anos depois, considero um privilégio que merece ser compartilhado repleto de nostalgia.
Pela terceira vez em Brasília, o Scorpions se apresentou com os onipresentes Klaus Meine (voz) e Rudolf Schenker (guitarra), além de Matthias Jabs (guitarra) – na banda desde 1979 -, acompanhados por Pawel Maciwoda (baixo) e Mikkey Dee (bateria), ex-Motörhead. Eles realizaram um show parecido com o último apresentado por aqui, em 2019, durante a “Crazy World Tour”. Como sempre, recheado de hits sagrados como “Wind of Change”, “Blackout”, “Big City Nights”, “The Zoo” e “Coast to Coast”. As surpresas ficaram por conta de “I’m Leaving You” e “Loving You Sunday Morning”, ausentes do set list na última passagem pela cidade.
O mais recente álbum, “Rock Believer” (2022), teve apenas uma execução, de “Gas In The Tank”, que também não é a melhor desse trabalho, na minha opinião, mas cumpriu tabela. Os solos de bateria, baixo e guitarra foram estrategicamente posicionados no set para que Klaus Meine e Rudolf Schenker pudessem ter intervalos de descanso. O solo de bateria de Mikkey Dee deixou o público entusiasmado e realmente foi bombástico, conforme minha previsão. Antes do encore, um escorpião inflável gigante apareceu no palco sob efeitos sonoros e luminosos, uma novidade nas apresentações do Scorpions e que me deixou bastante impressionado pela qualidade visual no palco.
Scorpions (Set List)
. Coming Home
. Gas In The Tank
. Make It Real
. The Zoo
. Coast To Coast
. (Medley) Top Of The Bill / Steamrock Fever/ Speedy’s Coming / Catch Your Train
. Bad Boys Running Wild
. Delicate Dance
. Send Me An Angel
. Wind Of Change
. Loving You Sunday Morning
. I’m Leaving You
. Tease Me Please Me
. Big City Nights
Encore
. Blackout
. Rock You Like A Hurricane
A ausência da mega balada “Still Loving You”, clássica na primeira vinda deles no “Rock in Rio” 1985, para mim não fez muita falta em meio a tantos clássicos. Ainda mais, depois de ter assistido aos alemães por oito vezes. Mas claro que isso deixou uma atmosfera de frustração para grande parte do público que esperava por esse momento.
Ao final de quase sete horas de puro metal, mesmo longevos, voltei pra casa com a certeza de que essas bandas “ainda estão aqui”. Que bom ter a liberdade de escolher quando quiser parar. E que bom que eles ainda têm energia de seguir em atividade além das décadas vividas. Longa vida a esses Deuses do Metal!